“Tudo aquilo que seja necessário para explicar o personagem e seu tempo tem que ser falado”, disse hoje (3) o escritor Paulo César de Araújo, que escreveu a biografia Roberto Carlos em Detalhes. Em entrevista ao programa Espaço Público, da TV Brasil, Araújo defendeu a possibilidade de publicação de biografias no país, mesmo quando não autorizadas pelo biografado. Historiador, ele estabeleceu o limite para a produção: “Você não pode caluniar”, sentenciou.
O escritor lançou, no último dia 20 de maio, o livro O Réu e o Rei – Minha História com Roberto Carlos, em Detalhes, no qual aborda a história da disputa judicial travada com o ídolo Roberto Carlos em torno da publicação da biografia do cantor. Com traços autobiográficos, o novo livro conta, em mais de 500 páginas, a trajetória de Araújo, a paixão pela música e o contato com o líder da Jovem Guarda, bem como a escrita da obra que motivou amplo debate sobre a liberdade de expressão. “Eu entrevistei de Waldick Soriano a João Gilberto”, relatou, destacando que passou 15 anos tentando uma entrevista exclusiva com o biografado. “Eles nunca disseram não”, disse.
Na entrevista, ele lembrou momentos do processo judicial, que teve início no mês seguinte ao lançamento do livro, em dezembro de 2006. De acordo com Araújo, logo após a edição da obra, “o Roberto [Carlos] reclamou do livro numa entrevista coletiva, dizendo que havia muitas ‘inverdades’”. Após a reclamação, foram impetrados dois processos judiciais, tanto na esfera civil quanto criminal, os quais não apontaram as tais inverdades citadas pelo cantor, conforme o biógrafo. “Apareceu um Roberto Carlos que o público não conhecia”, disparou.
Em resposta à jornalista e biógrafa Regina Echeverria, que participou como convidada do programa, ele disse que o processo criminal teve como base o atual texto do Código Penal, que estabelece que a biografia deve ser autorizada pelo próprio biografado ou por parentes. “Ele acredita nisso: que a história é um patrimônio particular. Assim como ele tem um carro, ele tem uma história. E ter escrito sobre essa história é como ter invadido sua propriedade, daí o pedido de prisão”.
A biografia acabou sendo retirada de circulação, após um acordo judicial irrevogável e definitivo, assinado pelo autor do livro, o editor e a editora Planeta, que publicou a obra. Hoje, Araújo detalhou as motivações do acordo: Roberto Carlos cobrou mais de R$ 3 milhões em indenização. Além disso, o juiz do caso ameaçou fechar a editora. De acordo com Araújo, o cantor quis todo o estoque da editora. Assim, os 11 mil livros que estavam em um depósito da Planeta foram levados e seguem trancados, até hoje, em um depósito de posse do expoente da música brasileira.
Sobre artistas contrários às publicações, Araújo disse que “eles estão usando brechas na legislação e contando com a complacência de juízes”, e criticou o que considera um pensamento conservador. “É a história do Brasil que está impedida de ser contada”, disse o também escritor Lira Neto, que escreveu as biografias de Getúlio Vargas, Padre Cícero e outros personagens.
Agora, a expectativa da editora de O Réu e o Rei, a Companhia das Letras, é que o livro seja um sucesso editorial. Não à toa, foram produzidos 45 mil exemplares, dos quais 31 mil já foram distribuídos. Em média, as obras editadas pela Companhia das Letras têm tiragem inicial de 4 mil exemplares. Além disso, a editora afirmou que considera o livro “um marco na história da luta pela liberdade de expressão no Brasil, e em particular da luta pela liberdade de publicação de biografias e livros que retratem a história do nosso país”, conforme nota divulgada em seu site.
A companhia também manifestou apoio à tramitação do projeto de lei (PL) que trata do tema. Já aprovado pela Câmara dos Deputados, o texto altera o Código Civil para que seja liberada a edição de biografias de personalidades públicas, vivas ou mortas, independentemente de autorização prévia. O PL defende que a vida de pessoas de notoriedade pública, cuja trajetória esteja envolvida em acontecimentos de interesse da coletividade, pode ser objeto de publicações.
Ancorado pelo jornalista Paulo Moreira Leite e com a participação de Florestan Fernandes Júnior, o Espaço Público vai ao ar todas as terças-feiras, na TV Brasil, da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), das 22h às 22h30. No ar há quase um mês, o programa já entrevistou os ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Esporte, Aldo Rebelo, bem como o presidente do Olodum, João Jorge Rodrigues.
Agência Brasil