Crime organizado: o Brasil perdeu essa guerra (?)

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01. O PT 1390268459_standardvenceu, mas agora será naturalmente muito mais fiscalizado e cobrado que antes. Será que vai convencer? Dentre tantos outros desafios (crescimento econômico, redução da desigualdade, diminuição da inflação etc.), o controle do crime organizado (com respeito ao Estado de Direito) deve ser uma prioridade absoluta. Para que o estimado leitor se situe, as organizações criminosas no Brasil se dividiram em três grupos: 1º) o comandado pelos poderes criminais privados(organizações criminosas privadas do tipo PCC, CV, narcotráfico no Rio de Janeiro) ou paraestatais, como são as milícias; 2º) o comandado por políticos ou outros agentes públicos (essa é a criminalidade organizada estatal: os mensalões do PT e do PSDB bem como o caso Rosamary constituem exemplos paradigmáticos) e 3º) o comandado pelos poderes financeiros e econômicos (criminalidade organizada das empresas e dos bancos, sempre atrelados aos políticos – como é o caso, por exemplo, do escândalo da Petrobrás e do cartel do metrô em SP). Não temos aqui a sofisticação do crime organizado mafioso (a máfia siciliana disso constitui um exemplo), que constitui um “estado paralelo”.

02. Vamos cuidar desde logo do crime organizado privado comandado pelo narcotráfico no RJ. Nos próximos artigos abordarei o crime organizado público (comandado pelos políticos ou pelos agentes econômicos/financeiros). A chocante indagação do título deste artigo foi sugerida no dia 26/9/14, no Rio de Janeiro, na II Conferência Internacional sobre o Crime Organizado (coordenação de Ubirajara Chagas Favilla e Rafael Andreata), por um dos maiores especialistas do país, o juiz Alexandre Abrahão Dias Teixeira.

03. O crime organizado privado corresponde ao que a Polícia Federal (consoante entrevista de Oslain Santana, para oEstadão) chama de “grupos agressivos”, visto que “apelam para ações armadas, como ocorre no Rio [Comando Vermelho] e São Paulo [Primeiro Comando da Capital]. Eles são violentos (possuem inclusive Tribunais “internos”, que aplicam frequentemente a pena de “execução sumária”) e contam com apreciável poder econômico. Sua infiltração no aparelho estatal não é tão profunda” (O Estado de S. Paulo de 30.12.12, p. A3). O que caracteriza esse primeiro grupo é o comando privado ou paraestatal. Agentes públicos participam (agentes policiais, por exemplo), mas o comando da organização não está nas mãos deles. Estamos nos referindo aqui, portanto, a um tipo de crime organizado sem “grandes” infiltrações nas fileiras do Estado.

04. O diagnóstico flamante do juiz Alexandre Abrahão Dias Teixeira, sobre o crime organizado privado no Rio de Janeiro (que ele conhece como ninguém), é o seguinte:

(a) trata-se de uma guerra perdida; o poder público fracassou; a repressão, por si só, perdeu a batalha. O traficante vende cocaína e nós (sociedade civil e política) vendemos para o povo o entorpecente legislativo [populista]; acreditamos ingenuamente que a lei resolve o problema [de 1940 a 2014 foram 155 reformas na legislação penal brasileira; nenhum crime jamais diminuiu, em médio prazo]; a lei está distante da realidade (o promotor Marcos Kac, outro conferencista, ratificou essa linha de raciocínio); as pessoas não acreditam no sistema jurídico; ninguém se entende no momento de prevenir e reprimir o crime; o agente público está desmoralizado; o crime organizado é o nosso EI (Estado Islâmico radical);

(b) na sua exposição o juiz invocou a emblemática frase do famoso criminoso William Silva Lima, “O professor”, que no livro “Comando Vermelho”, de Carlos Amorim, declarou: “Conseguimos [nós do crime organizado privado] aquilo que a guerrilha não conseguiu: o apoio da população carente. Vou aos morros e vejo crianças com disposição, fumando e vendendo baseado. Futuramente, elas serão três milhões de adolescentes que matarão vocês – a polícia – nas esquinas. Já pensou o que serão três milhões de adolescentes e dez milhões de desempregados com armas na mão?”.

[O Brasil realmente tem hoje mais de 3,5 milhões de crianças e adolescentes entre 4 e 17 anos fora da escola. Destes, metade corresponde a jovens de 15 a 17 anos. Os dados fazem parte da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2011 e mostram uma queda em relação à pesquisa anterior, de 2009, quando foram registrados 3,7 milhões de crianças e adolescentes fora da escola].

(c) no Rio de Janeiro o Bope troca tiros todos os dias; cada PM carrega 28k em equipamentos (é nítida a dificuldade operacional); os criminosos, por seu turno, navegam sobre a leveza; são “madeireiros”: pulam de uma casa para outra, porque centenas delas estão ligadas por madeiras; quando correm sobre as tábuas vão derrubando algumas delas (tirando a possibilidade de uma perseguição por esses inusitados caminhos); cada arma especial da PM custa de 30 a 60 mil reais (esse dinheiro poderia ser utilizado de forma melhor em educação); estamos perdendo tempo com nossas vaidades;

(d) várias casas nas favelas estão unidas por túneis (como na Faixa de Gaza); servem de esconderijo e também para as fugas (são centenas de buracos por debaixo das casas); é impossível expedir um mandado de busca e apreensão com um só endereço (mirando uma só casa); as casas estão interligadas por meio dos túneis; toda estrutura de guerrilha está presente nesses locais;

(e) nos livros e nas faculdades fala-se em Caio, Mévio e Tício. Isso não tem nada a ver com a realidade; várias comunidades hoje vivem da criminalidade ou sob o império dela; os caminhões de gás, cerveja, ar condicionado etc. Não entram em alguns lugares, salvo se pagarem “pedágio”; muitas comunidades fazem “gato” (subtração de sinal) na internet, na telefonia, na luz etc.; são “estados” paralelos;

(f) o tráfico é glamour (muitos jovens e também moças se exibem em fotos portando fuzis); as armas e o dinheiro empoderam essas pessoas;

(g) são incontáveis as mortes de PMs; outros são presos e muitos ficam paraplégicos; 70% saem estressados para a rua; vários se suicidam e centenas são dependentes de drogas;

(h) os agentes infiltrados não possuem garantias; ninguém vai querer ser agente infiltrado. Com a atual estrutura, a chance de a lei nova sobre o crime organizado deter a criminalidade é bastante reduzida.

05. Conhecer a realidade, sobretudo quando totalmente preocupante, faz com que despertemos nossa consciência. Só a partir disso é que tomamos conhecimento de algo bem diferente do que sonhávamos ou imaginávamos. Muitos ainda sonham que o controle do crime organizado deve ser feito por meio da violência. Nada mais equivocado. É pela inteligência e pela prevenção que isso se torna possível (aniquilando-se o poder econômico do grupo). Quando dormimos não controlamos nossos sonhos. Quando estamos acordados o normal é pensarmos que somos livres para eleger os caminhos adequados. Ocorre que também esses caminhos podem ser equivocados. Demoramos, muitas vezes, para perceber que, na verdade, não estávamos acordados, sim, continuávamos dormindo, ainda que de maneira diferente, por força de uma ilusão.

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