Doméstica que acendeu bomba no lugar de vela será indenizada por danos materiais, morais e estéticos

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Acidente do trabalho causou amputação parcial de dois dedos da mão direita.

Uma empregada doméstica que se acidentou na residência rural em que trabalhava, ao acender bomba no lugar de vela, deverá ser indenizada pela empregadora. Assim decidiram os julgadores da Oitava Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais, que mantiveram a sentença que já havia condenado a ré a pagar indenização por danos materiais à doméstica, na forma de pensionamento mensal, no valor correspondente a 30% do salário da empregada.  Também foi mantida a condenação da empregadora de pagar indenização por danos morais e estéticos à trabalhadora, a primeira fixada em R$ 10 mil e a segunda em R$ 7 mil. Os julgadores, por unanimidade, acompanharam o entendimento do relator, desembargador José Marlon de Freitas, para negar provimento ao recurso da ré e manter a decisão oriunda da Vara do Trabalho de Congonhas-MG.

Acidente do trabalho – Responsabilidade civil da empregadora

A doméstica se acidentou quando, num momento de queda de energia na residência, acendeu uma bomba que estava guardada na gaveta da cozinha, acreditando que se tratava de uma vela. A bomba explodiu na mão da empregada, causando-lhe lesões definitivas de ordem estética e funcional. A empregada teve que passar por cirurgia e sofreu amputação parcial dos dedos polegar e indicador.

Conforme constatado, a empregada sofreu acidente de trabalho típico, na forma do artigo 19 da Lei 8.213/1991, porque acometida no exercício das suas funções, em favor da empregadora e no local de trabalho. Além disso, foi provada a culpa da empregadora no acidente, por ter se omitido de adotar as medidas de proteção da saúde e integridade física da empregada no ambiente de trabalho, uma vez que permitiu a manutenção de artefato explosivo na propriedade, sem tomar providências para impedir o livre acesso a ele. Por essa razão, o relator entendeu que a empregadora assumiu os riscos da negligência patronal.

Diante das circunstâncias apuradas, os julgadores concluíram pela existência de responsabilidade civil da empregadora pelos danos materiais, morais e estéticos advindos do acidente.

Afastada alegação de culpa exclusiva da empregada

Em seu recurso, a empregadora confirmou a existência do acidente, mas insistiu na tese de que o fato ocorreu por culpa exclusiva da empregada. Afirmou que a doméstica tinha como função cuidar da mãe da patroa e zelar pela casa e, dessa forma, era responsável pela organização dos móveis e utensílios domésticos. Sustentou que a “bomba” seria para espantar animais que aparecessem na fazenda e que o fato de a empregada desconhecer que o artefato estava na gaveta da cozinha demonstra sua negligência no desempenho de suas funções.

Mas as alegações da empregadora sobre a culpa exclusiva da doméstica no acidente foram afastadas. Segundo pontuou o relator, nos termos do artigo 157 da CLT, é dever do empregador promover a redução de todos os riscos que afetem a saúde do empregado no ambiente de trabalho, cumprindo e fazendo cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho. “No mesmo sentido, o art. 7º, inciso XXII, da CR e o art. 19, §1º, da Lei 8.213/1991, assim como toda a regulamentação prevista na Portaria 3.214/1978 do Ministério do Trabalho e Emprego”, destacou. E, de acordo com o entendimento adotado, a ré deixou de cumprir com a obrigação de fornecer à doméstica um ambiente de trabalho seguro.

A prova testemunhal revelou que, embora a empregada fosse também responsável pela organização dos móveis e utensílios domésticos na casa da fazenda, essa não era a sua atribuição principal, mas sim os cuidados com a mãe da empregadora e o preparo do café da manhã.  Havia outra empregada na residência, esta sim era a principal responsável pela limpeza da residência e demais serviços domésticos. Além disso, segundo os relatos, a casa era frequentada também por outras pessoas, inclusive pela própria empregadora, filha da idosa, e o namorado dela.

Falha grave da empregadora na adoção das medidas de segurança no ambiente de trabalho

Na avaliação do relator, a existência da “bomba” na cozinha, ao alcance da doméstica, constituiu falha grave da empregadora quanto às medidas de segurança no ambiente de trabalho. Até porque a testemunhas revelaram que as quedas no fornecimento de energia elétrica na fazenda, em época de chuvas, eram comuns. A empregadora afirmou que “o local de trabalho era uma fazenda com muitas ‘velharias’ e que, por algum motivo, havia uma bomba para espantar animais naquela gaveta”. Mas, segundo ponderou o desembargador, essas circunstâncias apenas demonstram que havia um risco acentuado de que o artefato fosse inadvertidamente detonado, como de fato o foi, ao ser confundido pela empregada com uma vela.

Não se pode olvidar que o empregador, ao celebrar com seu empregado(a) um contrato de trabalho, obriga-se a dar a ele(a) condições plenas de exercer bem suas atividades, especialmente no que diz respeito à segurança”, registrou o relator. 

Como observou, estiveram presentes, no caso, os requisitos para a responsabilização civil da empregadora, nos termos do artigo 186 e 927, do Código Civil, e artigo 5º, V e X, CF/88. A decisão também foi baseada no inciso XXVIII, do artigo 7º, da Constituição da República, segundo o qual é direito dos trabalhadores urbanos e rurais o seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.

Indenização por danos materiais – Pensão vitalícia  

Perícia médica apurou que o acidente de trabalho causou deficiência global definitiva à autora, estimada em 30%, devido à amputação parcial do polegar e dedo indicador, associada à perda de movimentos do remanescente dedo indicador e redução de movimentos também em dedo médio. O perito ainda concluiu pela incapacidade parcial definitiva da autora para exercer atividades que tenham ações de preensão com força pela mão direita. Registrou que “a autora tem amputação em mão direita em extensão moderada, com deformidade, sendo alterações de fácil percepção ao contato social e que representam dano estético moderado, grau 3 em 5”.

De acordo com o relator, foram provados o acidente de trabalho, a culpa da empregadora pela sua ocorrência, assim como o dano e o nexo de causalidade, estando presentes os requisitos previstos nos artigos 186 e 927 do Código Civil para ensejar o dever de reparação.

Em relação à indenização por danos materiais, a condenação da empregadora consistiu no pagamento de pensionamento mensal à trabalhadora, no valor de 30% do salário mensal. A quantia foi fixada com base na perícia, que atestou a perda funcional definitiva da empregada, também na ordem de 30%. O valor da pensão observou o disposto no artigo 950 do Código Civil, segundo o qual, se da ofensa resultar defeito que impeça o ofendido de exercer o seu ofício ou profissão, ou diminuição da sua capacidade de trabalho, a pensão deve corresponder à importância do trabalho para o qual ele se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.

Constou da decisão que a opção de receber o pensionamento em parcela única é uma escolha da vítima, nos termos do artigo 950, parágrafo único, do Código Civil, mas que, no caso, o atendimento do pedido da doméstica nesse sentido implicaria esforço financeiro desproporcional para a ré, em razão do montante da indenização e por se tratar de pessoa física, empregadora doméstica.

Indenizações por danos morais e estéticos

Quanto aos danos morais, o relator não teve dúvidas de que os fatos ocorridos causaram abalo na esfera moral da doméstica, gerando dor e sofrimento íntimo passíveis de reparação. “Não se pode olvidar que a proteção à dignidade da pessoa do trabalhador e a consideração do trabalho humano como valor da República estão inseridos na Carta Magna, traduzindo-se no dever patronal de preservação da saúde e da dignidade dos empregados, o que enseja o reconhecimento da ocorrência de dano moral quando tal dever é violado”, destacou.

Segundo o pontuado na decisão, é evidente o desconforto e o sentimento de frustração experimentados pela empregada diante das dores sofridas e da gravidade das lesões decorrentes do acidente. O relator explicou ainda que a dor passível de indenização e suportada pela empregada emerge da ofensa em si e dispensa comprovação, por se tratar de dano presumido.

Sobre os danos estéticos, o desembargador frisou que, como demonstrou a perícia, as amputações na mão direita causaram à doméstica dano estético moderado . “Portanto, comprovado o prejuízo estético da obreira e o nexo de causalidade entre o dano e o acidente de trabalho, é devida a indenização respectiva”, concluiu.

Recurso da empregada e valor das indenizações

A trabalhadora também recorreu da sentença, pretendendo a elevação das indenizações. Mas, por maioria de votos, os julgadores acompanharam o entendimento do relator, para manter o valor das reparações fixadas na sentença e negaram provimento ao recurso da empregada nesse aspecto.

A indenização por danos morais, fixada em R$ 10 mil, foi considerada condizente com o caso e com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como com os parâmetros traçados pelos artigos 944, 953 e 884 do Código Civil e pelo artigo 223-G da CLT, tendo em vista a natureza da lesão enfrentada pela autora. O mesmo ocorreu quanto ao valor da indenização por danos estéticos, arbitrada na sentença em R$ 7 mil, o qual foi mantido, inclusive por estar em conformidade com valores adotados pelo colegiado em casos semelhantes, e com fundamento no artigo 944 do Código Civil, segundo o qual a indenização mede-se pela extensão do dano. Ao final, as pessoas envolvidas celebraram um acordo, que está no prazo para o cumprimento.

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