A invenção que devorou o inventor

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Armando Correa de Siqueira Neto*

2617Desde que o ser humano iniciou as suas invenções, muita coisa lhe sucedeu. Transformações de toda ordem proporcionaram novas perspectivas, obrigando-o, consequentemente, a enxergar a vida de diferentes maneiras e a alterar os costumes e comportamentos. Até o cérebro modificou-se anatômica e funcionalmente após cada período de considerável avanço experimentado. Provou-se, então, que o potencial para o desenvolvimento é ilimitado. Eis uma beleza digna de ser apreciada, capaz, inclusive, de provocar perguntas a respeito da sua intrigante gênese.

Hoje, contudo, percebe-se uma infeliz situação: o homem tornou-se refém das próprias invenções. Ele foi, pouco a pouco, sendo devorado pelo próprio invento numa espécie de armadilha autoimposta. É o preço a se pagar pelo avanço? Ou será o exagero desesperador do apego cego às questões materiais?

A fim de facilitar a análise, valerá a pena ir direto ao assunto, cujo direcionamento resultará no tão cobiçado dinheiro. Observem-se as astuciosas manobras utilizadas pelas pessoas para consegui-lo (um tiquinho a mais, por vezes) de outras tantas. Repare com que sangue frio é possível alguém traçar o descaminho daquele que será subtraído financeiramente, ainda que de pouco disponha, ou pior, sequer o tenha para a ideal sobrevivência. Reflita acerca de como a ganância extremada leva uns a desconsiderar outros, tornando-os, sob a sua insensível e áspera ótica, coisas, e não mais pessoas. Coisas, das quais sempre será possível tirar proveito, e mais proveito, e ainda mais… O dinheiro, interessante invenção humana, passou a devorar o inventor, que se tornou seu escravo mais fiel. O devoto inebriado numa espécie de transe material. A sede, em seu estágio quase mortal.

Qual uma criança que se perde no meio do jogo inventado, deixa para trás as regras, os laços da convivência, o olhar complacente, e, num piscar de olhos, atormentada pelo desespero de ganhar e pela falta de amadurecimento e consciência, passa a perna em qualquer um que se encontre na partida, julgando-se, finalmente, a vencedora. Mal reconhece que enganou mais a si mesma do que aos seus próximos. Ao invés de avançar sobre o terreno pedregoso do crescimento, ela trilha, desavisadamente, pelo chão liso da ilusão, impondo-se inevitavelmente à aprendizagem ajustadora que lhe chegará por bem ou por mal.

Não é assim também a sina do “adulto”, que terá de aprender a lidar com a sua maneira de ser e conviver? A sua invenção lhe devora por hora, mas não chegará o tempo em que haverá maior domínio sobre ela? A brincadeira não lhe cansará após ter passado por outras transformações evolutivas essenciais ao longo do porvir? Ainda que sob o considerável domínio das informações genéticas, as quais demandam a sobrevivência egoísta da espécie a qualquer preço, não é papel do meio, através de insistentes pressões acerca da necessária convivência altruísta, igualmente relacionada à resistência vital, modificar o cenário que oportunamente impactará as gerações futuras? Falta maior compreensão a respeito? Não se torna, pois, liberto de si mesmo, todo cativo que alcança a consciência da liberdade a que tem direito? Não é chegado, portanto, o momento de o inventor alcançar a supremacia sobre a própria invenção? Em que estágio desse grande jogo você se encontra no momento?

 

*Armando Correa de Siqueira Neto é psicólogo (CRP 06/69637), palestrante, professor e mestre em Liderança. Coautor dos livros Gigantes da Motivação, Gigantes da Liderança e Educação 2006. E-mail: [email protected]

1 COMENTÁRIO

  1. Cincidentemente, este artigo tem muito a ver e a esclarecer em relação a um assunto que anda me incomodando e dando o que pensar. Tem a ver com injustiça, egoismo, ganância e apego demasiado aos bens materiasi. Exelente colocação, profundo, bem redigido mas fácil de entender. Parabéns!

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