Fim do Foro Privilegiado

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Uma das maiores aberrações da Constituição Federal de 1988 está prestes a ser corrigida: o foro privilegiado por prerrogativa de função, mecanismo que impede, por exemplo, que políticos com mandatos no Congresso Nacional e nas Assembleias Legislativas sejam julgados pela justiça comum. Anteontem, num lapso de moralidade e compromisso com a coisa pública, os senadores aprovaram por 69 votos a 0 a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que extingue o foro especial por prerrogativa de função para autoridades e a proposta agora segue para análise da Câmara dos Deputados, onde também precisará passar por dois turnos de votação. Quando isso ocorrer, os crimes comuns praticados por deputados, senadores, ministros de Estado, governadores, ministros de Tribunais Superiores, desembargadores, embaixadores, comandantes militares, integrantes de Tribunais Regionais Federais, juízes federais, membros do Ministério Público, procurador-geral da República e membros dos conselhos de Justiça e do Ministério Público, passarão a ser julgados pela primeira instância da Justiça Comum.

O fato é que o foro privilegiado por prerrogativa de função é uma aberração jurídica e serve apenas como incentivo para que o agente público pratique crimes contra o erário. Hoje, o Brasil tem mais de 38 mil pessoas com direito a foro privilegiado, realidade que contrasta com todas as propostas de combate à corrupção, mesmo porque o elevado volume de pessoas com direito a foro especial por prerrogativa de função compromete toda e qualquer forma de combate à corrupção e à impunidade. Isso ocorre porque, pela Constituição Federal, desde o presidente da República até ministros, todos os parlamentares, prefeitos, governadores, secretários de Estado, juízes e até membros do Ministério Público só podem ser julgados por cortes superiores. Enquanto um universo de mais de 180 milhões de brasileiros adultos estão sujeitos à lei na sua forma mais dura, um seleto grupo de 38 mil pessoas sabe que poderá cometer qualquer crime porque será processado em instância superior, onde os prazos processuais são exageradamente dilatados e, sobretudo, onde o rigor da lei nem sempre recai na sua integralidade sobre os mais poderosos.

O lado negativo é que PEC aprovada anteontem preserva o foro privilegiado para os chefes dos Poderes, de forma que os presidentes da República, da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal (STF) só poderão ser processados e julgados pela Suprema Corte ainda que cometam crime comum. Ainda assim, a mudança será salutar para o país ao reduzir a sensação de impunidade. Hoje, o presidente da República, ministros de Estado e dos tribunais superiores, do Tribunal de Contas da União (TCU), o procurador–geral da República e embaixadores são julgados exclusivamente pelo STF, enquanto governadores são julgados, em crimes comuns, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), assim como desembargadores dos Tribunais de Justiça, membros de Tribunais de Contas Estaduais e Municipais, além de integrantes de Tribunais Regionais como o TRF, TRT, e TRE. Pela regra atual, os juízes militares, federais, do Trabalho e procuradores da República são julgados exclusivamente pelos tribunais regionais federais, enquanto prefeitos e integrantes do Ministério Público também possuem foro privilegiado nos Tribunais de Justiça. Essa regra acabou transformando a prerrogativa de foro em abrigo para autoridades que tentam fugir da Justiça, tanto que não é pequeno o número de políticos que gastam fortunas em busca de um mandato eletivo apenas para fugir das instâncias ordinárias da Justiça.

O que incomoda mais no foro privilegiado por prerrogativa de função é a morosidade no julgamento dos processos, já hoje essas pessoas estão restritas a um número reduzido de ministros dos tribunais superiores e desembargadores, mas com o fim do privilégio, eles ficarão sujeitos à caneta de mais de 16 mil juízes. A PEC ainda elimina a competência originária dos tribunais de justiça estaduais para processar e julgar, nos crimes comuns, juízes estaduais, promotores e procuradores de Justiça, de forma que quando essas autoridades forem acusados de crimes comuns serão julgados na primeira instância. Já havia passado da hora de aprovar a Proposta de Emenda Constitucional alterando os Artigos 102, 105, 108 e 125 da Constituição Federal para acabar com o foro privilegiado por prerrogativa de função nos casos de crimes comuns. O fim do foro especial por prerrogativa de função é necessário, sobretudo, porque significa uma afronta ao princípio da igualdade das pessoas, de forma, que não é sensato que um cidadão comum que viole a Lei Penal responda na forma da lei enquanto autoridades tenham foro especial.

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