Mulheres de traficantes contam mudanças após ocupação

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Coberturas de luxo, joias cravejadas de diamantes e carros cujo valor passa longe do popular estão sempre associados às prisões, cada vez mais frequentes, de companheiras dos grandes traficantes do país. Alguns degraus abaixo do primeiro escalão, a ostentação existe, mas em menor escala. Apesar de não possuírem um quinto dos bens que Márcia Nepomuceno ou Viviane Sampaio — presas na última semana — reuniram graças à atividade criminosa dos maridos, mulheres casadas com traficantes que abandonaram a Vila Cruzeiro, favela vizinha ao Complexo do Alemão, antes da ocupação policial, finalizada na sexta-feira passada, demonstram um sentimento até então pouco comum: medo. Agora chamadas por muitos da comunidade de “mulheres de malandro”, elas também vivem uma espécie de fuga forçada.

“A gente só vê quem são os amigos na hora em que precisamos. Quando a polícia chegou, fui conversar com uma vizinha e ela pediu para eu sair de perto da casa dela. Antes, era tudo diferente”, reclama Mônica*. Aos 19 anos, um filho e rosto de menina, a moça se ressente mesmo é de terem levado boa parte dos eletrodomésticos de sua casa, depois que os policiais arrombaram a propriedade, que estava fechada. Desde quinta-feira fora da Vila Cruzeiro, Mônica não teme exatamente a prisão, como ocorreu com companheiras de grandes criminosos, mas sim a retaliação física. “A gente soube que esculacharam a mulher do FB (Fabiano Atanasio, considerado o chefe do tráfico na Vila Cruzeiro). Eles batem mesmo quando sabe que a mulher vive com quem eles estão procurando”, diz Mônica, referindo-se aos policiais.

Amiga de Mônica e também mulher de um traficante da Vila Cruzeiro, Patrícia* é outra que saiu da comunidade durante a operação. Aos 27 anos, diz que gostaria de outro tipo de vida, menos por considerar graves os atos do marido e mais por desejar liberdade. “É claro que eu preferia que ele fosse trabalhador, que a gente pudesse viver sossegado. Minha vida tem sido igual à de cigano. Não fiquei nem dois meses nessa última casa. Na anterior, passei um mês, no máximo”, relata. Questionada sobre a renda, que cairia caso a família dependesse de um salário no mercado formal, ela pensa e responde: “Às vezes, é melhor receber o pouco que tem direito e poder curtir, viajar com a família”, afirma a mulher, casada há oito anos com um traficante, de quem tem dois filhos.

Os filhos, segundo ela, são os mais prejudicados. Seus dois garotos, um de cinco e outro de três anos, já perderam o ano letivo. Patrícia até tentou convencer o marido, assim que o conheceu, a abrir uma loja, forma pela qual poderia inclusive lavar o dinheiro obtido com o tráfico e abandonar de vez a vida no crime. “Mas ele sempre fala que não serve para outra coisa a não ser bandido”, diz ela, ao destacar a falta de estrutura familiar do rapaz, filho de uma mãe viciada em cocaína e órfão de pai. A história foi um pouco diferente com Mônica, que se envolveu com o atual marido quando ele era “trabalhador”. “Ele começou levando uma coisa aqui e outra ali para ganhar uma mixaria, foi conhecendo os ‘grandão’ e entrou de vez”, conta Mônica.

Nenhum dos dois maridos usa as drogas que vende. As festas, porém, são turbinadas por uísque, energético e lança-perfume. “Teve um tempo que ele começou a tomar bala, aquele negócio que playboyzinho compra, sabe? Mas ficava muito maluco e eu reclamei. Daí ele parou”, conta Mônica. Apesar de não verem os respectivos companheiros há nove dias, as duas mantêm contatos esporádicos por telefone. “Eles estão bem”, diz. Perguntadas sobre o motivo de não ter havido a forte reação do tráfico esperada pela polícia, ao ocupar a Vila Cruzeiro e principalmente o Complexo do Alemão, Patrícia resume: “Eles não esperavam tanto tanque e homem. Até pouco antes de começar a operação, meu marido dizia: ‘Temos mais de 300 fuzis, quem entrar morre’. Mas não foi assim”.

Nomes fictícios a pedido das entrevistadas

Correio Braziliense

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