Morte Imposta por Decreto Religioso!

348

Como os meus leitores bem sabem, até recentemente eu era uma Testemunha de Jeová. Acérrimo defensor da doutrina jeovista, fui ensinado e ensinei a outros que usar o sangue em caso de risco de vida, nomeadamente numa intervenção cirúrgica era um pecado capital aos olhos de Deus. Foi isso que transmiti ao escrever o artigo “Novos Experimentos revolucionam a medicina transfusional”. Nesse artigo fiz aquilo que me fora ensinado pela Torre de Vigia, através de discursos, vídeos, matéria escrita em revistas, livros. Alguns poderão se interrogar o porquê de estar a escrever novamente sobre este assunto. E perguntam bem, porque aquilo que escrevo agora, não escrevo mais como Testemunha de Jeová. Após os diversos artigos que publiquei, defendendo crenças que acreditava ser verdade, emanadas da autoridade máxima das Testemunhas de Jeová, a Torre de Vigia por meio de seus anciãos, líderes eclesiástica das congregações aplicaram a máxima sanção imposta a uma Testemunha de Jeová – a desassociação. Desassociação esta imposta, porque me recuso a silenciar a minha voz e direito de me fazer ouvir. Tornei-me por isso incômodo para a liderança das Testemunhas de Jeová que suspeitam de qualquer traço de individualidade de seus membros, seja no campo artístico, pessoal ou social. Explicando isto, devoto agora a minha atenção a temática das Transfusões de Sangue. Creio que mediante notícias constantes vindas a público sobre este assunto, é meu dever explicar aos meus leitores e dar-lhes uma visão muito particular – a visão de uma ex-Testemunha de Jeová. Em primeiro lugar é preciso esclarecer que as Testemunhas de Jeová não chegam à conclusão que as transfusões de sangue são erradas, de livre e espontânea vontade. Durante o estudo bíblico que temos para nos tornarmos Testemunhas, somos alertados para esta situação, começando desde o principio a ser doutrinados que, para termos o favor de Deus, quando confrontados com uma situação em que seja necessária uma transfusão de sangue, deve ser posta de lado imediatamente. Em nenhuma circunstância, deve uma Testemunha de Jeová, aceitar ou doar sangue. Ponto final no assunto. Anualmente, existem também diversas ocasiões, nas reuniões semanais nos Salões do Reino, em que esse assunto é trazido a lume e reforçado. Muitas das vezes, através de artigos da revista A Sentinela ou Despertai, as Testemunhas são orientadas como lidar com circunstâncias em que as transfusões de sangue sejam impostas por médicos. São ensinadas como responder diante de tais, até mesmo diante de Juízes, caso isso lhes seja exigido. Cada Testemunha é por isso, ensinada, desde criança, que a transfusão de sangue é um crime contra Deus e uma das mais repugnantes práticas praticadas pelo homem moderno. São enumerados os malefícios que as transfusões de sangue acarretam para os pacientes e exaltados os procedimentos cirúrgicos em que estes não são usadas, substituindo-se por terapias alternativas, muitas delas desenvolvidas, conforme é ensinado pelos líderes da religião. Não pretendo defender ou questionar as transfusões de sangue, nem mesmo questionar as bases bíblicas que levaram a Organização das Testemunhas de Jeová a criar esta doutrina. A interpretação das Escrituras Sagradas depende dos olhos de quem a lê e numa questão tão sensível como esta, é perigoso basear uma decisão de vida ou morte, pois textos bíblicos fora do contexto, tem produzido barbaridades inimagináveis durante a história. O meu raciocínio pretende provar antes, que as Testemunhas de Jeová, não têm uma política coerente ao uso do sangue. Que esta política confusa e sem qualquer base científica, tem levado até mesmo membros da Torre de Vigia: anciãos, membros das CLH (comissões de Ligação com hospitais) e outros, a questionar a própria organização com respeito à coerência do que é ensinado e do que é exigido às próprias Testemunhas de Jeová, e por conseguinte aos médicos a quem recorrem em busca de tratamento, sem qualquer resposta satisfatória. Ao passo, que a sociedade brasileira conhece o drama dos desassociados através do movimento histórico do Ceará e uma denuncia inédita que o Ministério Público Cearense impetrou contra lideranças da organização das Testemunhas de Jeová, vislumbra-se ações concretas por parte da sociedade civil organizada e de autoridades. Alguns juristas têm relatado que, a luta que travamos em Fortaleza contra a desassociação reforçou o Tribunal de Justiça de São Paulo, pioneiramente, a decidir por maioria de votos, mandar a júri popular os pais de uma adolescente que morreu em 1993 ao ser impedida de receber uma transfusão de sangue. O médico, amigo da família, também está sendo julgado. Sendo assim, para além da forma como é reforçada constantemente a doutrina do sangue, quer nas reuniões, quer nas publicações, o medo real que uma Testemunha tem de não se manter fiel aos valores ensinados pela “Organização de Deus na Terra”, o “Único canal” de instrução espiritual junta-se o verdadeiro terror de ser expulsa do seio da congregação, deixando assim de ter a amizade, companheirismo e amor de seus irmãos. Caso aceite uma transfusão, colocando a sua vida, acima da doutrina religiosa e da particular interpretação da Torre de Vigia, ela sabe que caso isso se venha a acontecer, o destino mais certo é ser automaticamente expulsa e tratada como um traidor à causa jeovista e merecedor da destruição eterna da parte de Deus no Armagedon. Colocando as coisas como elas realmente são, pode o leitor, deixar de compadecer-se dos pais desta jovem que morreu, e que, acreditando que a doutrina que lhes foi ensinada como vinda diretamente da parte de Deus, por meio do único canal de luz espiritual, a Torre de Vigia, levou-os a recusar uma transfusão de sangue potencialmente salvadora de sua filhinha? Perante tamanha pressão psicólogica, estes pais tinham diante de si um verdadeiro dilema teológico e moral: Por um lado poder salvar a vida da sua filha por meio de uma transfusão de sangue e por outro lado, perder o favor de Deus, conforme lhes foi ensinado e ainda, acarretar uma possível expulsão da religião que os privaria do convívio, da amizade e do afeto dos seus pares da congregação. Quem acha que devia de estar no banco dos réus – os pais que acreditando naquilo que lhes foi ensinado pela Torre de Vigia, como se fosse ordem direta de Deus, impediram a transfusão ou a fonte desse ensino criminoso e destruidor de inúmeras vidas, os líderes das Testemunhas de Jeová?! A sociedade merece uma resposta para que isso não se repita e a torre reveja seus conceitos sobre amor e vida. A pena servirá de lição a todos.

“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender e, se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar.” (Nelson Mandela)

Sebastião Ramos – funcionário público federal na UFC – Contato: [email protected]

2 COMENTÁRIOS

  1. Uma vez eu disse que o mal do mundo são os ismos que existem por aí, e uma palavra muito usada com esse sufixo é o fanatísmo e é isso que está a destruir o mundo. Conheço alguém que depois de se transformar em uma Testemunha reduziu de forma notória o contato com seus irmãos e até mesmo a própria mãe. Antes ligava uma vez por semana para saber como a mãe estava, se bem de saúde e as novidades, agora não liga mais e raramente visita esse mãe…e os irmãos de sangue?! Nem me fale. O mundo dessa pessoa hoje é esse salão do reino, essa torre de vigia e aquelas visitas aos domingos que incomodam e muito. Gostei do seu artigo e acho a iniciativa muito bem vinda.
    Uma coisa que aprendi foi respeitar todas as religiões por mais absurdas pareçam ser, mas acho que isso falta dentro das próprias religiões.
    Os líderes não pregam para seus comandados como ajudarem na preservação do meio ambiente eles jogam lixo nas ruas, botam fogo onde não se deve e muito mais atrocidades contra nosso lar, a terra, depois lá na igreja diz que Deus está pesando a mão sobre o homem e que é o começo do fim. Deus é pai e não carrasco.
    Deus nos deu uma coisa que acho que Ele se arrependeu, o livre arbítrio. O ser humanp é o pior animal da terra, seja jeovaista, cristão, católico, evangélico…
    Sabe de uma coisa? As vezes acho que as religiões orientais estão mais no caminho certo do o que o resto. Pelo menos elas pregam amor de verdade, amor ao próximo, respeitam a natureza e veem Deus em tudo que é lugar.
    Mas uma coisa é mais que certa, é certíssima, a melhor religião do mundo chama-se FAMÍLIA. É nela que você aprende a ética, a moral, os bons constumes, respeito às pessoas sem distinção de cor da pele, credo, cultura e as individualidades de cada um. Eu ensino isso aos meus filhos.
    “Quem acho que não tem nenhum pecado que atire a primeira pedra.”

  2. Eu fui TJ de 1980 até 1993. Quando fui batizado não dei muita importância a essa proibição, pois estava mais preocupado com o Armagedom que tinham me ensinado que aconteceria antes da geração de 1914 passar.
    Essa proibição das transfusões de sangue tem tanta base bíblica quanto as proibições de vacinas e transplantes de órgãos originadas no Corpo Governante.
    Depois que deixei de ser TJ já doei sangue três vezes e sinto-me hoje muito feliz por ter feito isto. Talvez o sangue que doei tenha até salvado alguém da morte!

FAÇA UM COMENTÁRIO

Por favor digite um comentário
Por favor digite seu nome aqui