Hemofílicos temem desabastecimento de fator sanguíneo

243

Quase 8 mil brasileiros que sofrem hoje com a hemofilia continuam vivendo a expectativa do fracionamento da produção nacional de fatores sanguíneos que precisam ser repostos durante o tratamento da doença. Mesmo estando longe de uma ameaça real nos dias de hoje, a possibilidade de desabastecimento do material, que assombrou o setor no país até 1998, ainda alarma essa população.

A hemofilia é caracterizada pela ausência de proteínas no organismo conhecidas como fator 8 e fator 9, responsáveis pelo processo de coagulação. Atualmente, o governo brasileiro importa essas proteínas extraídas de plasmas sanguíneos ou produzidas tecnologicamente por países como a França, Alemanha e os Estados Unidos.

Os custos da aquisição das proteínas, em laboratórios americanos e europeus, vêm crescendo anualmente. Em 2009, foram gastos US$ 680 milhões. Os gastos passaram para US$ 700 milhões, em 2010, e US$ 950 milhões em 2011. O diretor do Departamento do Complexo Industrial e Inovação em Saúde do Ministério da Saúde, Zich Moysés Júnior, disse que a justificativa para o aumento dos gastos é “o aumento do acesso por parte da população [às proteínas]. O tratamento está sendo feito com maior precisão e estamos com maior nível de capacidade diagnóstica”.

Segundo ele, com atendimento mais qualificado, a tendência é que o volume de fatores utilizados continue crescendo, mas os gastos podem cair. Essa redução só vai acontecer quando o Brasil concluir a fábrica nacional de hemoderivados, conhecida como Hemobras, que está sendo construída em Goiás. De acordo com informações do Ministério da Saúde, os investimentos já chegam a R$ 27,4 milhões. Os recursos destinam-se à construção do bloco da fábrica onde vai funcionar a recepção, triagem e o armazenamento do plasma brasileiro, que é a matéria-prima para produção de medicamentos derivados do sangue

A previsão é que a Hemobras comece a operar em dois anos, trazendo uma economia de mais de US$ 1 milhão aos cofres do governo. “A partir de 2014, teremos uma produção nacional extremamente significativa e seremos um dos poucos produtores nacionais desses derivados”, explicou Moysés Júnior.

Ele acrescentou ainda que a meta é atingir a autossuficiência na produção de derivados do sangue, mas alertou que esse objetivo pode ser adiado. “Não depende apenas do plasma, que não temos em quantidade suficiente para atender toda a demanda. Depende muito da tecnologia [para reproduzir artificialmente as proteínas ausentes]. A autossuficiência é perseguida mas, quando chegar a autossuficiência [considerando os dados atuais], pode ser que tenha aumentado o consumo e você tenha que aumentar a escala de produção”, disse.

Até a Hemobras entrar em atividade, um grupo de cerca de 20 especialistas brasileiros vai acompanhar a produção francesa das proteínas. A transferência de tecnologia é parte de um acordo entre o Ministério da Saúde e um laboratório estatal francês. O acordo também prevê o envio de plasma brasileiro para que técnicos franceses transformem e fragmentem em proteínas os componentes que serão reenviados para os tratamentos no Brasil.

A medida já vai garantir que pelo menos 50 crianças que sofrem com a hemofilia comecem, ainda este ano, o tratamento profilático primário, ou seja, a reposição das proteínas antes que ocorra um sangramento externo ou em articulações. “A profilaxia primária, a princípio, consome mais fator [proteínas 8 e 9 que são repostas de uma a duas vezes por semana]. Mas, ao final, por evitar deformidades e outras consequências, você tem menor custo [para a saúde]”, explicou a hematologista Sandra Valin Antunes, chefe do Serviço de Hemofilia da Universidade Federal de São Paulo Unifesp.

Sandra, que é especialista da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), disse ainda que o tratamento não tem um prazo definido e que sua duração depende muito mais da persistência e das reações de melhora do paciente. Ela explicou que a reposição pode acontecer de uma a três vezes por semana e as crianças, selecionadas por terem quadros mais graves de hemofilia, ainda podem ter dificuldades com a injeção das proteínas por terem limitado acesso venoso.

A especialista comemora os avanços do tratamento no Brasil e acredita na promessa de que, “quando a Hemobras estiver em produção total, os pacientes com hemofilia [tipo B] vão ter uma empresa autossuficiente em [proteína] fator 9”. Segundo ela, a produção da proteína fator 8 vai exigir mais tempo e tecnologia. “Mas, além dessas proteínas, a fábrica vai ser capaz de produzir outros componentes do sangue, que vão poder atender outros tipos de pacientes, não apenas hemofílicos”.

Agência Brasil

FAÇA UM COMENTÁRIO

Por favor digite um comentário
Por favor digite seu nome aqui