João Paulo II será beatificado nesse domingo 1º de maio

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Com a beatificação de João Paulo II neste domingo (1º), a Igreja Católica assume a própria história do papa polonês como um legado para o catolicismo. Cardeais e especialistas em religião ouvidos pelo G1 são unânimes ao afirmar que, para além dos sinais de santidade aclamados pelo povo ainda nos ritos do funeral, os 26 anos de pontificado de Karol Wojtyla também deixam como herança um forte controle doutrinário e a abertura para gestos diplomáticos e religiosos.

O professor Faustino Luiz Couto Teixeira, do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora, sintetiza a leitura de acadêmicos que identificam uma forte tendência ao controle institucional na gestão de João Paulo II, equilibrada em outro extremo por uma presença carismática em viagens missionárias e pastorais.

Marcos do pontificado 1978

Eleito o primeiro papa oriundo de um país comunista.

1982

Realizou três exorcismos durante o pontificado; mais conhecido foi o realizado em uma jovem que estava agitada durante uma audiência geral

1986.

Realizou um gesto histórico ao visitar a sinagoga de Roma, e foi 1º papa a rezar em uma Mesquita, na Síria.

Escreveu 14 encíclicas, 15 exortações, 11 constituições e 46 cartas apostólicas.

1981

A 13 de Maio, foi atingido por um tiro na Praça de São Pedro

Mais de mil chefes de Estado e de Governo passaram pelo Vaticano durante seu papado.

2005.

Morreu em Roma, no Palácio Apostólico do Vaticano, às 21h37 de sábado 2 de abril

Faustino destaca, sobretudo, que o polonês teve uma abertura significativa para o diálogo com outras religiões. “Na época, provocou reação contundente em setores do Vaticano, inclusive do próprio Ratzinger (então cardeal, hoje Papa Bento XVI)”, afirma Faustino.

Segundo o professor, a abertura para o diálogo com os muçulmanos e judeus seria parte do aprofundamento de reformas ocorridas anos antes na própria Igreja. “Ele (João Paulo) sintonizou-se com o espírito do Vaticano II”, avalia.

Por sua vez, o teólogo Leonardo Boff, que optou pode deixar o sacerdócio em 1992 após ter sofrido nos anos 1980 censura do Vaticano por suas críticas à hierarquia, avalia que a figura carismática e atlética do papa “falava por si mesmo”, embora fosse contraditória. “Não precisava ter escrito as 100 mil páginas que ele escreveu em documentos”, diz Boff.

O teólogo diz que o papa esvaziou o “aggiornamento”, conceito usado pelo Concílio Vaticano II para se referir à necessidade de atualização da Igreja frente à modernidade. “Construiu uma igreja para dentro, prolongando o velho modelo medieval. Com muito rigor e ordem, reprimiu mais de 140 teólogos que foram silenciados e as conferências episcopais (conselhos dos bispos, como a CNBB) passaram por um processo de romanização”, diz Boff.

“Foi um grande ator, que ensaiou sua própria apresentação no mundo e que teve algo positivo nisso: mostrar no mundo privatizado que o fator religioso existe e pode mover milhões. As manifestações eram shows, mas o conteúdo era fraco”, diz. Boff avalia que até mesmo o diálogo com outras religiões foram apenas diplomáticos, embora pioneiros. “São gestos pastorais, se perguntarmos qual a teologia, aparece o documento onde se apresenta uma doutrina absolutamente retrógrada, que sustenta que fora da Igreja não há salvação”, diz.

Foi um grande ator, que ensaiou sua própria apresentação no mundo e que teve algo positivo nisso: mostrar no mundo privatizado que o fator religioso existe e pode mover milhões. ”

Leonardo Boff, teólogo

Exemplo e diálogo

Antes de viajar para acompanhar a cerimônia de beatificação no Vaticano, os cardeais Dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, e Dom Cládio Hummes concederam entrevista em São Paulo na qual ressaltaram a importância do papa polonês para a Igreja Católica. “O papa João Paulo II deu um grande testemunho em vida de santidade. Na Igreja alguém não é santificado depois da morte. Alguém é santo durante a vida e é proclamado santo depois da morte. O primeiro passo é a beatificação”, explicou Dom Odilo.

O arcebispo ressaltou a importância da figura carismática de João Paulo II e sua abertura para diálogos de paz. “Foi um grande promotor do entrosamento. O reconhecimento disso foi muito claro no funeral, onde houve uma afluência de chefes de estados como nunca antes houve na história”, disse.

Dom Cláudio, que ressaltou a boa convivência que teve com o papa, destacou o carisma e a santidade de Karol Wojtyla. “Creio que em síntese foi um homem que se identificou profundamente com Jesus Cristo. Em segundo lugar, era apaixonado pelo ser humano. Essas duas paixões fazem dele santo”, disse. “Era uma luz quando aparecia diante das multidões. Tinha aquele carisma que se manifestava”, avalia o arcebispo emérito de São Paulo e ex-prefeito da Congregação para o Clero.

Fidel e o Papa João Paulo II durante cerimônia no.

Processo de beatificação

João Paulo II será proclamado beato após o reconhecimento de um milagre ocorrido supostamente por sua intercessão: a cura dita inexplicável pela ciência da freira francesa Marie Simon Pierre, de 51 anos, que sofria os sintomas de Parkinson.

O processo foi aberto em 28 de junho de 2005 em Roma. A causa foi aberta por desejo de Bento XVI, sem esperar o período de cinco anos de sua morte, como estabelece o Código de Direito Canônico e como ocorreu com Madre Teresa de Calcutá, que foi beatificada seis anos e dois meses após sua morte.

Críticas

A rapidez do processo de beatificação é apontada por vaticanistas como resultado de pressão de grupos tradicionalistas. “A ala conservadora tem interesse numa leitura triunfalista do papado de João Paulo II, para esconder a obra de seu pontificado atrás de uma auréola sagrada e assim torná-la indiscutível. Este é o ponto crítico da decisão do papa”, afirmou o vaticanista e escritor Giancarlo Zizola à BBC Brasil.

Karol Wojtyla foi também criticado por não ver os comportamentos criminosos, principalmente de pedofilia, dentro da Igreja, e por não ter tomado medidas firmes quando o escândalo começou a eclodir nos Estados Unidos em 2000. “João Paulo II confiava nos outros e vigiava muito pouco aqueles que o seguiam. Estava tão concentrado na mensagem a ser transmitida que nem sempre governou a Igreja de maneira total”, disse à agência EFE o vaticanista Marco Tosatti.

A Congregação para a Causa dos Santos ressaltou em nota que foram respeitados “escrupulosamente” todos os passos exigidos. O porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi, assegurou que, inclusive, foram investigadas críticas pelo fato de João Paulo II supostamente ter protegido o padre pedófilo mexicano Marcial Maciel. De acordo com o porta-voz, a investigação foi feita e não foi encontrada nenhuma evidência de que eleI tenha protegido Maciel.

As afirmações do Vaticano não convencem os críticos. “Ele sabia dos pedófilos e encobriu, era muito próximo do fundador dos Legionários de Cristo (Marcial Maciel). Há elementos sombrios, a partir dos quais se colocaria em questão sua canonização”, disse Boff.

 

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