A cidade administrativa

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Mauro Bomfim

A visão logo dispara o brilho de nossas retinas. O carro avança na linha verde e os olhos não são capazes de “se recolher ao recesso das pálpebras”, na evocação poética de Cecília Meireles. A visão da Cidade Administrativa deslumbra não só pela imponência de suas linhas arquitetônicas, mas pelo choque brutal na paisagem urbana do Vetor Norte da Região Metropolitana, que agora se liberta definitivamente para a redenção urbanística num caminho sem volta da marcha batida para o desenvolvimento.

Ei-la, a Cidade Administrativa ! Gigante de concreto armado que o gênio de Niemeyer construiu naquele estilo fabuloso de ruptura estética. Um estilo iniciado no Brasil por Le Corbusier e que teve em Oscar Niemeyer e Lúcio Costa os mais aplicados e brilhantes discípulos. Iniciou-se com o conjunto arquitetônico da Pampulha, atingiu o esplendor com a construção de Brasília do mineiro JK e agora alcança a celsitude da glória com a Cidade Administrativa.

O local escolhido foi um arrojado platô na região do Serra Verde. Os horizontes descortinando para além dos confins e de Lagoa Santa, caminhos outrora percorridos pelos tropeiros, bandeirantes e pesquisadores. O tropeiro Felipe Rodrigues abriu a picada. O pesquisador Peter Lund escavou a gruta e assombrou o mundo da paleontologia com suas descobertas. Eis o cenário do passado e presente desse luminoso caminho que nos conduz até a Cidade Administrativa.

Nas Minas dos novos tempos, um novo bandeirante , Aécio Neves, convoca exatamente Oscar Niemeyer para construir ali o maior prédio de concreto suspenso do mundo, a sede do Governo, o Palácio Tiradentes. Linhas harmoniosas conjugadas com dois irmãos siameses, os edifícios Minas e Gerais. A tríplice argamassa da Cidade Administrativa que leva o nome de Tancredo Neves, avô de Aécio, ambos entronizando seus nomes na galeria dos maiores homens públicos de Minas.

Tancredo aureolou-se de glória como outro tipo de construtor, o construtor de pontes para a travessia democrática e que não se cansava de evocar Tiradentes, aquele herói enlouquecido de esperança que sonhava em construir uma grande nação. São esses dois nomes que engalanam os edifícios da Cidade Administrativa.

Um novo olhar da forma arquitetônica baseado nas necessidades humanas. Essa a revolução da arquitetura moderna plasmada na Cidade Administrativa a cujo serviço Oscar Niemeyer se entregou com paixão. Paixão que contagiou a todos que edificaram esse Partenon Mineiro, desde o engenheiro mais graduado até o mais humildes dos operários.

O conjunto do governo reunido em um só espaço. A construção sobre pilotis, tornando as edificações suspensas, criando o ambiente interno/externo. As estações espaciais de trabalho de forma horizontal, transmitindo idéia de unidade, de isonomia, na busca da informação ágil e da tomada de decisão rápida. Ação e resultado. Arte e técnica. Um estilo bem ao gosto do Governador Antônio Anastásia, que coloca todo o seu talento de gestor moderno e sua notável cabeça pensante a serviço dos supremos interesses de Minas.

Fustel de Coulanges, em “A Cidade Antiga” relembra as narrativas de Tucídides, recordando o dia da fundação de Esparta. Fala dos cantos piedosos e dos sacrifícios daquele dia. Nesses dias de mudança para a Cidade Administrativa, igualmente se irrompem angústias, apreensões, a distância, a fila no restaurante, o desapego às coisas afetivas do cotidiano, como levar o filho à escola, almoçar em casa. É o servidor público, esse herói quase sempre anônimo a viver dias de abnegação, dando sua vida de sacrifícios a favor do interesse público.

Na lição de Aristóteles, o cidadão, como o funcionário público de nossos dias, pertence inteiramente ao Estado. Dá-lhe seu sangue na guerra, seu tempo na paz. Passa a vida a se governar. A democracia não pode durar senão sob a condição do trabalho incessante de todos os cidadãos.

Eis, portanto, a nossa bela Cidade Administrativa. Os fundadores das antigas cidades gregas e romanas consultavam os deuses sobre o local escolhido para a nova cidade. Deus, ao santificar esse local, certamente revelou sua vontade pelo vôo dos pássaros. Cabe a todos, governantes e servidores, cultuar essa vontade, acima de nossas cabeças, por toda a eternidade.

MAURO BOMFIM é advogado e vice-presidente da COHAB-MG

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