O lado sombrio da civilização

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Armando Correa de Siqueira Neto*

Selvageria e civilização podem ser descritas como etapas culturais da humanidade. É claro que há aspectos civilizados encontrados antes mesmo do estágio denominado civilização, tal como a arte (pinturas rupestres e esculturas) de 35.000 anos atrás, datada pelo método carbono-14 (C14), e, por outro lado, provou-se, com facilidade, existir selvageria ao longo da fase civilizada, percebida tão somente através da pesquisa histórica e da observação. Tal fato é digno de nota e reflexão acerca do ser humano e sua evolução. Não obstante, há um item que merece redobrada atenção: a escravização humana, que nos leva a reavaliar a sua origem, pois há diferença gritante entre o período selvagem e o civilizado. No primeiro, não há evidência (algum desenho rupestre que seja) de que o homem tenha se submetido à escravidão. No segundo, porém, tal fato viceja em cada capítulo da história desde a Mesopotâmia, a China e o Egito, por exemplo, sem falar dos gregos e romanos, dos povos da América Pré-Colombiana ou dos estimados 6 milhões de africanos que atravessaram o Oceano Atlântico rumo ao Novo Mundo, entre 1700 e 1850.

Com as muitas descobertas a respeito do homem de cro-magnon, nosso ancestral surgido entre 90.000 e 40.000 anos atrás, demonstrou-se que ele possuía substancial nível de inteligência, através dos achados arqueológicos, além da sua refinada estratégia de caça, que lhe permitiu proteção e sobrevivência com maior qualidade – seus ossos estão mais preservados do que os do homem de neandertal, que geralmente se feria quando agarrava às perigosas presas ao atacá-las. Então, poder-se-ia teorizar que existiu a possibilidade de o homem escravizar o próprio homem nessa época. Todavia isso não ocorreu. Não há prova que sustente tal ideia. Assim, restou voltar os olhos críticos para a civilização, que se constituiu, ainda que primitivamente nos primórdios, por meio das leis e regras estabelecidas no seio de cada sociedade, incluindo-se a escravidão autorizada.

Então, é uma coincidência, ou a escravidão surgiu a partir da sociedade civilizada? Mais: a escravidão poderia ter aparecido antes, mas não havia respaldo (costumes ou leis) que a validasse? Até agora, não notamos o lado sombrio da civilização, que consentiu e aprovou legalmente a escravização de muitos homens ao longo dos últimos milênios? A civilização é tão boa quanto a sua própria propaganda? A conveniência e o oportunismo de alguns, baseados nas diretrizes civilizadas, articularam a favor da escravidão alheia? Por onde andou a civilização (nós, os seus representantes), todo esse tempo, que não viu (ou não quis ver) nada disso?

Mas, cumpre-se ressaltar: há outros tipos de escravização, tal como a psicológica (aparência física e posição social e financeira). O autoengano é seu fervoroso representante, levando o homem, entorpecidamente, a se autoperceber como alguém melhor do que é de fato. Logo, emerge a questão: você pretende manter-se aprisionado ou irá refletir e lutar para se libertar gradativamente, ajudando, inclusive, a aperfeiçoar o modelo de civilização atual?

 

*Armando Correa de Siqueira Neto é psicólogo (CRP 06/69637), diretor da Self Consultoria em Gestão de Pessoas, palestrante, professor e mestre em Liderança pela Unisa Business School. Coautor dos livros Gigantes da Motivação, Gigantes da Liderança e Educação 2006. E-mail: [email protected]

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