O menino que emigrou aos 12 anos

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O MENINO QUE EMIGROU AOS DOZE ANOS…RECORDANDO FERREIRA DE CASTRO

Por Humberto Pinho da Silva

Faleceu no passado dia 23 de Janeiro, Elena Muriel, pintora madrilena que casou em Paris, no ano de 1945, com o escritor Ferreira de Castro.

Ao tomar conhecimento da ocorrência, lembrei-me de meu pai, amigo do romancista. Carteavam-se a miúdo, missivas cheias de ternura e admiração mutua. O escritor, cujas obras foram editadas em vinte e dois países, está hoje injustamente esquecido, ainda que seja reconhecido de mestre.

Nasceu em Ossela (Oliveira de Azeméis) a 24 de Maio de 1898, filho de José Eustáquio Ferreira de Castro e Maria Rosa Soares de Castro. Era o primogénito de série de cinco irmãos. Atingindo a idade escolar, matricularam-no na classe do professor Francisco Portela.

Por esse tempo – confessa o escritor, nas “Memórias”, – passava, todos os dias, no largo para onde dava a escola, uma rapariga de 17 ou 18 anos – linda, linda para mim, como nunca tinha visto outra. Chamava-se Margarida.

Ferreira de Castro escrevia-lhe cartas que não obtinham resposta. Um dia – continua o escritor, – como titubeasse na Educação Cívica (…) o Sr. professor Portela abriu a gaveta de sua secretária e, tirando de lá uma das minhas epístolas à Margarida, exclamou: – “ Para estudar a lição não tem tempo; mas tem-no para escrever às filhas dos outros!” Pediu-me a mão e deu-me uma forte palmatoada.

Foi a Margarida que lhe deu ânimo para emigrar aos doze anos!

Sem ela eu não teria partido! Não teria tido coragem. Morreu sem o saber, talvez, mas foi ela, foi o desejo de que não me julgasse criança, foi esse o meu primeiro amor (…). Nunca nos falamos.

A 7 de Janeiro de 1911 embarcou no vapor Jerôme, em Leixões, rumo ao Brasil. Seguiram-se aventuras no sertão, na vizinhança do rio Madeira, e Belém. Passou fome, humilhações, maus tratos e escrevia novelas, editados em fascículos, que distribuía porta a porta.

Regressa à Pátria, quase tão pobre como foi, em 1919, mas a mofina continuou. Aos trinta anos escreve “Emigrantes”, dois anos depois “A Selva”. Por esse tempo vive com Diana de Liz, escritora que foi, para ele, mãe e mulher.

Nessa conjunção, em 1938, conhece a pintora espanhola Elena Muriel e casa, em Paris, a 9 de Agosto de 1945.

Obtida a celebridade, como escritor, realiza a volta ao mundo em 1939, acompanhado da esposa.

Era Ferreira de Castro extremamente tímido. Na escola não convivia com os colegas e parecia estar sempre triste e meditativo; no correr dos anos foi sempre a sua postura. Raras vezes ria e jamais gracejava.

Trajava fato completo, chapéu e envergava inseparável sobretudo; só no Verão, no pino do calor, dispensava-o

Sempre foi modesto e encolhido. Certa tarde, na livraria Guimarães, em Lisboa, confidenciou a meu pai as privações sofridas e lastimou amargamente o jeito como era constrangido a tomar posições, devido à simplicidade e pobreza.

Não vou e peço desculpa, levantar o véu ao desabafo, seria indelicadeza que não quero incorrer. Após haver conhecer o teor da confissão, compreendi o motivo da sisudeza e a mágoa que se podia descortinar no olhar.

Como a vida é ingrata para os talentosos, que não nasceram em berços de oiro!

Elena Muriel Ferreira de Castro está sepultada, desde Janeiro deste ano. ,em Ossela ao lado dos sogros e Diana de Liz.

Elena foi companheira dedicadíssima. Quando meu pai os conheceu residiam no Hotel Miraparque, em Lisboa. Tinham uma filha que era o enlevo do pai, a Elza Muriel Ferreira de Castro (actualmente médica).

Bom seria para os que buscam fortuna em longes paragens levados por enganos e falsas promessas, que lessem e relessem sua obra, principalmente “ Emigrantes”.

É que vejo, neste cantinho da Europa, tantos ucranianos, brasileiros, africanos… gente do leste e oeste a levarem vida muito pior – se é possível, – que o nosso Ferreira de Castro teve no Brasil.

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