Os portugueses no Brasil no último quartel do séc.XIX

268

Por Humberto Pinho da Silva

Nas últimas décadas do século XIX, o escritor Silva Pinto fez uma viagem ao Rio de Janeiro. De tudo que viu, ouviu e sentiu, narrou numa obra que intitulou: “ No Brasil”.

Este curioso livro, hoje raríssimo, é precioso documento histórico, imprescindível para se avaliar o que foi a vida da maioria dos emigrantes portugueses, no final do século XIX, em terras brasileiras.

Sem mais preambulo, translado trechos, que julgo serem bastantes, para se ajuizar as afrontas que sofreram os que partiram em busca de melhor vida:

“Rio de Janeiro”; no cais. Um catroeiro português, algarvio, ofereceu-me o seu bote. Perdeu a vivacidade, a alegria dos filhos da sua província. Interrogo-o. Partiu há doze anos de Portugal em busca de fortuna; encontrou a moléstia, a carestia da alimentação, os maus-tratos, o ódio furioso do brasileiro. – “Tenho na terra mulher e três filhos…devo tê-los: não lhes escrevo, nem eles a mim; para voltar à pátria mais pobre do que vim, quero antes não a tornar a vê-la”. Conduz-me a bordo do paquete. – “O senhor é feliz vai ver os seus, vai ver Portugal. Conte aos desgraçados da minha classe o que por cá viu…”

“ Excursão ao Bota-fogo. O condutor do bond (carro americano) olha-me com fixidez. Interrogo-o. É filho de Lisboa; reconhecera um patrício; veio de Portugal há seis anos para o comércio; inteligente e activo, notou breve que o primeiro de tais predicados era um título ao desfavor do patrão. Viu-se preterido, governado, insultado por um analfabeto, selvagem que vive em relações singulares com o dono do estabelecimento: uma espécie de Gonymedes que tem no Brasil rebentos de espécies várias. Saiu do comércio para os carros americanos; uma parte do salário é-lhe descontada em multas arbitrárias. Tem dias de profunda miséria. Não voltará a Portugal: envergonha-o a sua desventura.”

“ Justiniano Nobre de Faria, um dos nossos actores dramáticos mais dignos de apreço, mercê de um carácter honesto a sobredourar-lhe os méritos artísticos – partiu há poucos anos para o Brasil; lidou com energia, mas pelo caminho recto, na conquista de uma situação feliz: gradualmente, de par com o desdém alheio e com o desespero próprio, desceu na escala social do Brasil ao mister de carregador. Foi ali que um patrício nosso o descobriu avergado ao peso do entulho nas obras de um salteador condecorado.”

“À perto de um ano, um nosso compatriota – o professor Franco – leva ao Brasil o método de leitura de João de Deus. Foram dois os portadores, cremos: ele e o Dr. Zeferino Cândido. Da sorte deste último não sabemos. Franco, homem trabalhador, honrado e inteligente, dedicado ao seu nobilíssimo intuito civilizador, só pedia aos cafres, em troca da luz que lhes levava, o pão de cada dia. Isso obteve: façamos justiça inteira ao hospitaleiro torrão. Franco faleceu no Rio, no passado mês de Março, legando aos seus um nome honrado – e duzentos reis brasileiros.”

A muito mais se refere o escritor Serpa Pinto: as declarações de Rafael Bordalo Pinheiro; os artigos de Gomes Percheiro, que narram acontecimentos ignominiosos no Pará e “ a propaganda feroz da imprensa daquela província, contra os nossos compatriotas”.

Por certo, muitos descendentes desses humildes emigrantes – alguns bem instalados e senhores de grossas fortunas, – desconhecem as viles torpezas que sofreram seus avós.

O que se disse da colónia portuguesa, por certo, pender-se-ia dizer da italiana. Felizmente tudo isso é passado.

[email protected].

FAÇA UM COMENTÁRIO

Por favor digite um comentário
Por favor digite seu nome aqui