Percival Puggina O jornalista Sérgio Tavares veio ao Brasil cobrir para seus canais nas redes sociais a manifestação do dia 25 deste mês na Avenida Paulista. Se o relato das observações que fez em nosso país buscasse inspiração na carta de seu antecessor Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manuel, ele provavelmente diria: “A terra continua boa e generosa, mas a gente que manda é nada bondosa”. O Brasil está cada dia mais parecido com Cuba. Se os membros dos poderes de Estado assistissem um pouco menos a Globo, a CNN e afins, isso talvez não afetasse seus modos de agir, mas daria tempo aos seus ouvidos para a voz das ruas, onde dezenas de milhões de brasileiros têm a percepção de que a liberdade se extingue em nosso país. Não é a concordância, não são os puxa-sacos, nem os negocistas, nem os medrosos, nem os omissos que legitimam uma democracia, mas os que dissentem, divergem, discordam, refutam. O conterrâneo e colega do escriba lusitano de 1500 foi submetido ao constrangimento de um escrutínio político. Isso não é aceitável; não é parâmetro de qualquer democracia. Quando fui ao inferno caribenho pela segunda vez, em 2003, com o intuito de escrever “Cuba: a tragédia da utopia”, fiz contato com dissidentes e acabei sendo seguido, filmado, tive minhas ligações monitoradas de modo tão ostensivo que, buscando segurança, fui à embaixada do Brasil, já então sob comando de Tilden Santiago, ex-deputado federal do PT. Essa visita e a conversa que tive com o “companheiro” secretário da embaixada, estão minuciosamente relatados no livro. Minha preocupação maior era com as condições de saída pelo aeroporto preservando imagens e anotações que levava sobre minhas conversas com os dissidentes. O funcionário foi nada receptivo. “O senhor veio a Roma e não agiu como os romanos. Eles não gostam que pessoas entrem como turistas e saiam falando mal do país. Aqui tem muita coisa boa; as coisas não são como o senhor parece crer que sejam”, etc. etc. Vejam que meu constrangimento em Cuba, ainda que tenha se prolongado por uma semana, foi muito menor do que o de Sérgio Tavares aqui. Mau sinal. Enquanto o totalitarismo cubano me controlou à distância, a suposta democracia brasileira submeteu o jornalista português a um interrogatório político. Nessa ideologia e em seu ruinoso trajeto pela história, democracia e liberdade são vocábulos de marketing, mas têm conceitos de confraria, de aplicação restrita, intimistas e excludentes. |
Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras. |